quinta-feira, 16 de julho de 2015

O pássaro na janela #2º Harpazo - Contos do arrebatamento


Os primeiros raios do sol da manhã entravam pela sua janela. Mesmo com as grossas cortinas eles insistiam em entrar o quarto. Lá fora os pássaros faziam a sua festa habitual de todas as manhãs.
Ela forçosamente abriu seus olhos perguntando-se que horas seriam – deve ser cedo ainda- ela pensou ao ouvir os pássaros. Bocejou e se escorou no encosto da cama. Passou suas mãos em seus cabelos tentando arrumá-los um pouco, mas não deu muito certo. – têm que ser hoje- ela falou, precisa ser hoje.
Ela dormira tarde na noite anterior pensando nos últimos acontecimentos de sua vida. Passara recente na faculdade que tanto desejava, tinha deixado sua família e havia mudado de cidade para poder estudar. E agora morava com um grupo de garotas em uma república. Muitas e rápidas mudanças. Mas o que se passava em sua mente agora, não era a falta que ela sentia de sua família e antigos amigos, ou a expectativa pelo inicio das aulas. Não, era outra coisa. Algo que não durou uma hora, mas que teria consequências para toda a vida se ela não fizesse algo.
Lá fora os pássaros continuavam a cantar. Ela gostava da região em que a sua república estava localizada, uma área com acesso rápido à faculdade, mas ao mesmo tempo grades áreas arborizadas. Ela gostava dos sons que no momento ouvia, lembranças lhe vinham à tona, de sua infância vivida intensamente em uma cidade do interior. Os cantos eram de várias espécies e ela não conseguia distingui-los.
Ela piscou duas vezes após olhar na direção de um facho de luz que entrava no quarto. Ela ouviu um ruído diferente. Asas batendo do lado de fora de sua janela. – Qualquer dia esses pássaros vão derrubar esta casa- ela pensou.
Após alguns segundos de bater de asas ela ouviu um chilro diferente dos demais que havia escutado até então esta manhã. Um sorriso surgiu em seus lábios, porém morreu com a mesma velocidade com que ele apareceu. Era um Bem-te-vi.
Sua mente foi transportada para um tempo há muito esquecido. E ela se viu novamente com nove anos de idade na cozinha de sua mãe. O café no fogão. Ela pôde quase sentir aquele cheiro.
À semelhança desta manhã, agora com 18 anos, aquela, em que ela tinha apenas 9, os pássaros cantavam.
-Filha o café logo vai ficar pronto. Você já pegou suas coisas da escola?
- Já sim mamãe- E de fato tudo já estava pronto, pois ela gostava da escola, sempre fora uma boa aluna.
O café ficou pronto. A mãe serviu a pequena Helena, e ela com suas mãos ainda pequenas se serviu do café. Mas antes de acabar um som alto começou a ser ouvido do lado de fora da casa de Helena, Ela olhou pela janela mas não encontrou o autor do canto.
- Mamãe é um Bem-te-vi!
- Sim meu amor, é sim. Você sabe o que significa isso?
-Não mamãe, não sei.
- Sua avó me contava que quando um Bem-te-vi canta assim tão próximo das casas é sinal de que uma família irá aumentar.
-Será mamãe?
- É o que sua avó contava. Às vezes acontece sim.
Os olhos de Helena continuaram procurando, porém não encontraram o autor do canto.
- Vamos filha, ou você irá se atrasar – E assim de mãos dadas mãe e filha foram para a escola.
Saída da lembrança Helena percebeu que o pássaro havia parado de cantar. Mas a lenbrança das palavras de sua mãe continuava viva em sua mente.
Há duas semanas ela soube que estava grávida. Só se deu conta da situação (ou só quis acreditar) já com quase dois meses de gravidez.
A faculdade em que estudaria realizada todos os anos uma tradicional festa de boas-vindas aos calouros.
O som estava alto. Muitas pessoas, muitas cores, muitos cheiros. Helena já havia provado bebida antes mas apenas em pequenas doses. Mas naquela noite ela exagerou. Ela foi apresentada a um rapaz, também calouro, Cabelos castanhos, sorriso fácil, conversa envolvente. E com ele ela passou o resto da noite. Quando deu por si já estava em um quarto que não era o seu, e ao seu lado um rapaz que havia conhecido na noite anterior.
Um mês passou, e ela nem se dou conta de que estava atrasada. Só se deu conta, (ou não quis acreditar antes) quando já estava indo para seu segundo mês.
Foi uma semana difícil. Ficava a maior parte do tempo trancada em seu quarto. Mesmo com a insistência de suas companheiras para que ela saísse.
Após muita insistência de suas amigas ela contou o que estava lhe acontecendo. Elas prontamente lhe deram em um papel o nome de um medicamento e um local onde ela poderia encontrar. O endereço que constava no papel amassado não era de nenhum farmácia que ela conhecia. – Não é uma farmácia – Ela pensou após refletir um pouco.
Muito pesarosa ela foi ao endereço que suas amigas lhe deram – é meu futuro que está em jogo, preciso fazer isso- Ela pensou – mas é vida que eu carre... – pensou novamente, mas este pensamento foi rapidamente deixado de lado quando seus pais vieram em sua mente – todo trabalho que eles tiveram comigo, eu não posso decepcioná-los – é aqui- ela disse após conferir o endereço novamente.
Já haviam se passado três dias desde que havia comprado o medicamento, mas ela até então não havia tido coragem de tomar. Mas hoje ela estava decidida. Se passasse mais tempo ela não conseguiria mais.
Helena entrou no banheiro, nele havia um grande espelho ao qual a pessoa podia ter uma visão completa de si. Abriu o armário onde estava o medicamento e o tirou da embalagem. Ela iria tomar e depois entrar no chuveiro. Ela tirou a camisa e a calça que usava para dormir. E se olhou no espelho. Mas claramente algo estava errado. Ao contemplar-se ou a sua barriga , ela percebeu que ela havia voltado ao estado em que ela estava há dois meses. Seu bebê havia sumido. Um grito brotou de sua garganta, e ela pôs a chorar copiosamente. Quando seus pensamentos foram se ordenando novamente, ela percebeu que lá fora o Bem-te-vi continuava a cantar.





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